Afinal, o que procuramos no BJJ?
Nascido da necessidade de inclusão, o Jiu-Jitsu feminino feminino está em pleno processo de transformação
By Mestra Yvone Duarte
Quando pensamos em aprender alguma coisa nova, sobretudo nas escolas, no ensino regular, nos deparamos com algo muitas vezes estático, algo que parece completamente alheio às nossas vidas. Os conteúdos das matérias nos parecem distantes e desconectados da realidade, sobretudo, da realidade das mulheres.
Nesse universo da educação, muitas vezes também percebemos a educação como algo da ordem da dominação, da opressão, como se para participar fosse necessário estar isolada, desligada do mundo, abstraída da sua própria realidade e absorver uma outra.
Seja nos exemplos ou nas reflexões, os conteúdos são muitas vezes externos ao cotidiano feminino.
Por outro lado, temos a impressão de que vamos à escola preencher vazios, que o papel do educador é depositar conhecimento e, vamos armazenando informações, numa busca de memorizar o conteúdo narrado pelo educador. Pouco se faz para incluir a perspectiva e as diversas realidades dos/as alunos/as através de diferentes métodos de ensino.
Bell Hoods parafraseando Paulo Freire, nos alerta que os/as alunos/as não podem ser meros consumidores passivos/as.
E o que isso tem de haver com nós mulheres que praticamos jiu-jitsu? Muito!
O nosso jiu-jitsu feminino está em pleno processo de transformação. Já nasceu precisando reivindicar a participação, a inclusão e o respeito. Não viemos para o jiu-jitsu para nos ajustar à prática masculina. O jiu-jitsu é muito mais amplo, mais diverso, contempla a todos que dele necessite. Não somos consumidoras passivas, introjetamos o jiu-jitsu plenamente, pois ele nos é necessário. Para muitas de nós torna-se essencial!
“Não podemos entrar na luta como objeto para nos tornarmos sujeitos mais tarde”, não! A prática do jiu-jitsu é libertadora para nós mulheres. É uma ferramenta potente e emancipatória.
Há algo do desejo de aprender jiu-jitsu, de receber ativamente o conhecimento que pode intensificar o nosso desenvolvimento pleno, contudo não queremos nos sentir desconectadas, como se o tatame fosse um lugar inapropriado para as mulheres ou da ordem de algum privilégio por estar nele e não como um direito.
Não estamos mais dispostas a participar das aulas para aumentar o número de praticantes, mais um, mais uma, meros números, não! Queremos aulas voltadas para uma prática que considere a presença de mulheres como natural, reconhecido o nosso lugar, onde o plano de aula contemple nossas constituições, nossas qualidades, nossas performances e nossas necessidades.
Chega de nos silenciarem, de constantemente tentarem conter nossos modos de agir e de pensar. Chega de reprimirem nossas manifestações de afeto, de ignorarem nossos questionamentos. O patriarcado continua tentando impor limites de educação às mulheres, ditando que devemos ser amáveis, rir com descrição, ser respeitáveis e, de ditar tantas outras regras de condutas de cerceamento, típicos dispositivos do machismo. Vivemos cotidianamente presas aos padrões normativos masculinos em muitos espaços sociais.
As escolas de jiu-jitsu precisam ser espaços libertadores dessas práticas punitivas e opressoras, como um lugar de educação, de conhecimento, de um aprendizado que não pode reforçar a dominação, nem servir de instrumento de opressão, de abusos.
Professorar instaura e transforma possibilidades, promove a capacidade de pensar e, de se autoconhecer em todas as dimensões, sem prejuízo ao rigor técnico. O processo de aprendizado é um constante desafio aos professores, aos mestres e aos alunos/as. É preciso construir uma pedagogia que nos legitime, é preciso tornar agradável o clima de possibilidade e promover a participação ativa das mulheres. As academias de jiu-jitsu devem ampliar compromissos para que a nossa existência nas artes marciais seja naturalizada igual `aquela dos homens.
Sempre digo que os homens deveriam fazer um esforço de enxergar a cidade que moram com olhos de mulheres, sentir as sensações que sentimos no simples fato de tentar caminhar pela cidade ou de frequentar academias e tatames. A arquitetura das cidades não foi pensada em estimular espaços seguro às mulheres, nem as escolas, nem as instituições, nem as academias de artes marciais. As cidades foram destinadas a obstruir a circulação de alguns segmentos, inclusive de mulheres. Cidades obedecem a códigos normativos masculinos.
Cada reflexão que vamos fazendo da rotina, das práticas, de lugares, vão nos fazendo pensar em tantas formas de exclusão, nos dispositivos normatizados que mais impedem do que promovem a participação das mulheres.
Para concluir, voltamos a pergunta central, o que procuramos no jiu-jitsu além das questões aqui já colocadas.
Não queremos muito do jiu-jitsu, queremos a essência, nem mais, nem menos. Queremos usar de suas ferramentas para a nossa existência. Queremos ser sujeitos de nossas vidas para que possamos levar uma vida saudável, ter liberdade de escolhas, como praticar jiu-jitsu, e que isso seja visto como uma escolha tão natural como andar de bicicleta nas tardes de domingo.
Queremos nos sentir livres e seguras, com autonomia para decidir sobre nossos corpos, nossos desejos e vontades.
É muito?
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