Bem vinda Gisele!
Por Mestra Yvone Duarte
O anúncio da entrada da Gisele Bündchen no mundo do jiu-jitsu foi recebido por muitos com satisfação, como se o mundo glamourizado finalmente tivesse descoberto, acessado e materializado algum dispositivo sagrado e nos dissesse: como não me disseram antes que o jiu-jitsu é essa potência? Como passei tanto tempo sem conhecer o jiu-jitsu?
Gisele, em suas redes sociais, exaltou a importância do jiu-jitsu: “quanto mais ferramentas eu tenho, mais preparada me sinto para lidar com situações adversas. Desde que comecei a praticar defesa pessoal, me sinto mais forte, mais confiante e empoderada. É uma habilidade importante para todos, mas especialmente para nós mulheres”, destacou a ex-modelo que fez fortuna e muito sucesso no mundo das passarelas e da moda.
Essa declaração me chama atenção em dois pontos. O primeiro diz respeito ao fato de uma mulher que goza de todos os privilégios econômicos, como possibilidade de contratar seguranças, guarda-costas, carros blindados, sistemas de alarme em carros e casas, tendo acesso às melhores tecnologias de proteção pessoal. Embora com todos esses aparatos de segurança disponíveis e ao seu alcance, ainda não se sentia totalmente segura.
Portanto, como nós sabemos, a sensação de segurança não se dá de fora para dentro e sim de dentro para fora. É aí que reside o potencial do jiu-jitsu. Esse é o ponto. Como dizem os jovens, é disso que estamos falando, e estamos falando há tempos! A sensação de segurança é algo da ordem do interior, diante de um estimulo externo.
Se estamos cotidianamente nos sentindo ameaças, inseguras, se não temos ferramentas potentes de defesa diante de situações ameaçadoras, sejam hipotéticas, sejam aquelas que chegam a nós pelas mídias, ou seja por alguma lamentável experiência pessoal, algo necessita ser preenchido, colocado no lugar para que não se passe a vida toda com essa sensação de que algo de intolerável possa nos acontecer.
Para essa terrível sensação de insegurança, nada como o jiu-jitsu praticado com regularidade, deixando ele fazer o seu trabalho, que paulatinamente vai substituir a sensação de insegurança por confiança, segurança e introjetar, sem pressa, mas com consistência, os recursos e mecanismos fisiopsicológicos que acabaram por extinguir os fantasmas da insegurança, da impotência, de dentro para fora.
Muitas pessoas passam a vida inteira sem nunca sofrer nenhuma agressão, contudo não estão livres de passar a vida inteira sofrendo de fobias, medos e crises de ansiedade. Muitas pessoas não saem de casa sozinhas, tremem diante de ruas desertas, limitam muito suas vidas por pensarem que estão susceptíveis a sofrer algum tipo de violência. Para essas pessoas a receita continua sendo um bom jiu-jitsu! Os mecanismos e as ferramentas – dessa arte – formam uma potente couraça, tanto do ponto de vista emocional, quanto do ponto de vista corporal. O jiu-jitsu vai organizando uma série de recursos que potencializam defesas, iniciativas e respostas aos abusos, às ameaças e às violências. E, mais, ainda, auxilia no processo de ressignificação da autonomia, da autoestima, das potencialidades, sobretudo no âmbito do universo feminino.
O outro ponto que me chama a atenção na fala da nova praticante da autodefesa é a sua percepção de que o jiu-jitsu deve ser praticado por todos, em especial as mulheres.
Me parece que não temos dúvida alguma dos benefícios oferecidos às praticantes de jiu-jitsu. Muitos deles já estão elencados acima.
Mas, é preciso refletir sobre quem tem têm tido o direito a autodefesa? Elsa Dorlin, escritora francesa, tem nos provocado a pensar sobre essa questão em seu livro “AUTODEFESA, uma filosofia da violência”.
Será que nós mulheres deveríamos estar sempre sob tensão, como se estivéssemos nossas vidas na defensiva?
Sabemos que a autodefesa é um dispositivo a toda pessoa que age para se proteger, caso tenha a sensação de medo razoável que a leve a crer que será morta ou gravemente ferida, abusada, violentada.
Contudo, quem tem direito a autodefesa? Perguntando de outro modo, poderíamos questionar quem tem tido acesso às técnicas e ferramentas de autodefesa?
Os dados mundiais nos apontam que uma parcela infimamente pequena dispõe de conhecimento de autodefesa e, por outro lado, o número de mulheres vítimas de violências, só aumenta.
Dito isso, precisamos nos interessar em estudar esses números trágicos da violência contra as mulheres, debater com outras áreas que se interessam por esse fenômeno, e buscar oferecer algumas alternativas.
Temos muito a colaborar, mas só vamos democratizar a autodefesa e expandir o nosso conhecimento se participarmos mais ativamente das redes de proteção às mulheres.
Essa luta é ampla, não escolhe classe social, nem segmentos A, B, C ou cor. Essa luta está acontecendo agora em diversos países.
E todos nós precisamos reverter esse quadro. Não podemos aceitar que mulheres sejam mortas pelo simples fato de serem mulheres, de recusarem um namoro, um parceiro, um ato sexual.
Oportunizar o acesso ao jiu-jitsu, às escolas de autodefesa e somar esforços com outras iniciativas que visam acabar com essa violência é mais que uma luta, é uma missão para todos nós do jiu-jitsu.
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